I
Quantos? Não sei. Um estalar de desejos
escuros delirantes que vem descendo
de distâncias incontidas, bem longe desses
rostos de enxofre, bem longe desses trajes
bem-passados que se servem em bandejas
e garrafas sucessivas: vocês que costumam
usar barbas e relógios, vocês
que costumam postergar vaga-lumes e sempre
cumpriram com seu dever conjugal e preencheram
os papéis que lhes foram enviados, vocês
que sempre fugiram da cor das maçãs e
trazem nas bocas um gosto a caveiras
conformadas, o melhor é que
comecem a tirar das gavetas empoeiradas
seus missais de domingo, assumidos por herança
e subscritos cada dia, sobre bandeiras
e detonações. O melhor
é que estejam bem preparados:
que comprem luvas para as esmolas,
violinos para os jantares,
armaduras para as ofensas – um estalar
de desejos proibidos vem descendo
desde terras altas, insondáveis.
Fortes e altivos como gigantes de outras eras.
II
Com lentos frutos
devorados, com lentos
pássaros perdidos,
com surdos gemidos
molhados, com verdes
cantigas de terra,
com chuvas, com suor,
com veias – a lenta
cópula da terra,
com mar, com ressaca,
com braços – um eito
roubado aos destroços,
em meio à alvorada sangrenta,
em meio a velhos
ventos sepultados.
III
Somos aqueles que têm raízes aladas.
Somos de novo os cavalos selvagens.
Temos nomes, olhos, histórias nossas,
longe desta cruz estúpida vivemos.
É a cidade, e o dia em seu transcurso
– a noite nos oferta outras águas espargidas,
e o alumbramento das festas agora dura para sempre.
Amiúde perto do mar nos amamos e estamos plenos:
de ponta a ponta ao corpo um raio se nos trança.
Raízes com asas. Temos fome.
Somos mais que um número nas proclamas.
Mas chegam cemitérios, paletós, comensais, meirinhos,
"chegam frades bendizendo pelo céu a matar meninos",
chega o dia com seus extensos regimentos fósseis
– os homens, com suas roupas de aluguel barato, desfilam.
Cemitérios. Tumbas de mortos vespertinos.
E pelo meio formosas flores inúteis
desaguando em oceanos de suas comédias trágicas.
Percorremos o dia com suas culpas e mal-me-queres.
A lenta morte em que nascemos. Temos fome.
Por isso galopamos sem ferraduras ou rédeas.
Sem herança seguimos. Estamos vivos.
Já disse: fizemos voar nossas raízes
– cantamos alto para espantar os malefícios.
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