Riscos

Não sei, a vida continua passando
mesmo sob essas tétricas lâmpadas
fluorecentes que pairam sobre mim agora.
Dentro de mim agora: não sei,
as máscaras caem e o que fica? um punhado
de cores beijos cartas por mandar melodias
sartre leminski david cooper risos rostos restos
de tudo. Não sei. Que flores horrorosas
brotariam desses corações secados
que batem quase por obrigação para
vestir sair pegar o transporte não olhar para as
pernas que porventura às duas saltem as poças
d’água numa excitação quase infantil. Não sei,
a vida continua passando mesmo que entre abril
maio junho julho agosto – as bruxas soltas gostos
gestos… digo! rostos, restos de tudo: passos, poeira,
poemas fajutos. Não sei. Há riscos no viaduto. Então
anda, bota um disco e vem pra cá, que eu já desisti
de te inventar, de criar o meu amor de novo.
É simples: todos os carros estão pegando fogo
e tu permanecerás linda por infindáveis horas
depois que eu for. És real,
ocupas um espaço definido
entre o armário e o ventilador. Tens
pelos e pernas e bocas e algumas culpas
antigas – andas, beijas e comes
independente de mim.
E és simplesmente linda assim,
uma deusa pagã na contraluz da antemanhã
de um dia qualquer de março. Não sei.
O fato é que os ossos do ofício estão
espalhados por uma área sem sombra de
dúvida bem mais vasta que a do meu quarto.
Há riscos no viaduto. Então anda, bota
um disco: há céu e um painel de absurdos
nas vidraças do edifício. A vida
continua passando.
És real, e eu não te amo.
E nem é isso
o mais difícil.




As frases: que flores horrorosas brotariam (…) e
alguém cloroformiza alguém com jasmim esta tarde
(que não está na poesia, mas é como se quase),
são na verdade de Ferreira Gullar (Requiem).
O resto é meu.
Ou como se quase.

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